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O mundo da Ch@p@

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A.N, 26.12.07
Confesso ter recebido um exemplar do "Rio das Flores".
Confesso que me sabe a mel ler cada uma das suas folhas.
Confesso que me é totalmente irrelevante que seja literatura comercial, direccionada às ignóbeis massas.
Opino, aliás, que a sua lombada de letras garrafais encarnadas fita a matar quando alinhada entre Proust e Ian McEwan.
Confesso (não obstante não poder assegurar que não é o açúcar a falar) que não trocaria esta pastilha elástica literária por nenhum artigo que defenda a eleição de Vladimir Putin enquanto personalidade do ano ou divagações pseudo-intelectualóides acerca do affair, no minimo visualmente desagradável, entre Sarkozy e Bruni.
Mas isto sou só eu a divagar, sob o ainda presente efeito de excesso de sonhos de abóbora, o que no "jargão jurídico" provavelmente me classificaria como inimputável.

Boas Festas

A.N, 23.12.07
Esqueçam-se as amarguras, as correrias de última hora e as compras histéricas e irreflectidas.
A amargura enterra-se em filhozes, sonhos e azevias. Rabanadas para adocicar o mau feitio e doses moderadas de açúcar são recomendadas para evitar ataques de hiperactividade.
O tempo é de serenidade.
O Natal é, sem dúvida, o momento privilegiado das familias: não se escolhe, supera-se; não se planeia, sobrevive-se.
É um caos viciante, sem o qual, no fundo, sabemos não poder viver e que acolhemos, todos os anos, com uma inocência infantil que permanece sob a máscara do queixume.

Feliz Natal, ora pois!

A memória da viagem

A.N, 19.12.07
Há três tipos de pessoas que viajam por lazer: os viajantes, os turistas e aqueles que a quem nunca deveria ser-lhes permitido fazê-lo.
O viajante busca experiências que acredita serem únicas; evita o percurso dos guias e os lugares de visita supostamente obrigatórios.
Não se faz rogado a misturar-se com os locais e com os seus costumes, ostentando, até, um certo brio quando por obra do acaso é confundido com um destes.
Come mal, dorme pouco, orgulha-se do barato e do extravagante e adopta as novas realidades como se da sua se tratassem, com humildade e abertura de espírito.
Por outro lado, colecciona países e experiências como se de cromos se tratassem; rabisca o nome de cafés anónimos em cadernos putrefactos que guarda esquecido na casa que por nascimento ou escolha lhe coube, a qual decora com artefactos, objectos inúteis e outros troféus que lhe trazem aromas de outras paragens.
No viajante encontramos, pois, um paradoxo: por um lado um interesse e uma curiosidade aguçada que não encontramos, por exemplo, no simples turista, mas por outro lado, a vertente recordista dos cromos coleccionados e uma certa massificação dos países visitados.
Relativamente ao turista, a análise afigura-se mais simples.
O verdadeiro turista é sistemático; organiza itinerários e reparte o tempo disponível por cada uma das visitas consoante o seu grau de importância.
Interessa-se q.b, mas confia unicamente nos guias que transporta, interroga as gentes locais e durante uns breves momentos quase que consegue acreditar que faz parte da sua civilização.
O excesso de bagagem, as máquinas fotográficas e a limitação temporal das férias do turista denunciam-no, porém, remetendo-o à sua condição natural.
Conhece menos do que o viajante, é certo, mas confortavelmente se contenta com o superficial, com a realidade que uns olhos menos distraídos conseguem captar e posteriormente guarda pequenos souvenirs para poder relatar, a quem o visita, as belas estâncias no estrangeiro.
Fatal como o destino é encontramos algum dos membros da terceira classe: os que nunca deveriam viajar mas que o fazem, fingindo-se à vontade num ambiente que desde logo rejeitam.
Antes de mais são privilegiados, mas não o sabem, assumindo como um direito natural o facto de terem acesso a um tipo de conhecimento vedado a muitos desfavorecidos.
Por outro lado, os que nunca deveriam viajar e o fazem, jamais relaxam. Comparam, ainda que mentalmente, cada realidade distinta, acabando, inevitavelmente, por concluir que no país onde nasceram e vivem, de facto, as coisas correm melhor, parecendo-lhes abjectos todos os hábitos que inexistem no seu país de origem.
A diversidade cultural, incentivo natural à descoberta e à adrenalina do viajante, enfada aqueles que nunca deveriam viajar. Perante papaias sonham com cozido à portuguesa; perante um pequeno-almoço de cereais almejam french toasts e quesadillas.
Jamais estão satisfeitos ou controlam as suas reclamações (fundadas ou nem tanto), mas não acabam com as expectativas defraudadas, pois à partida não as têm.
Secretamente, apenas viajam para confirmar que viajar não vale a pena e de certa forma legitimar o facto de nunca terem saído da pátria mãe.
Pelo planeta fora, cruzam-se estes três protótipos de passageiros, os quais coincidindo no mesmo local geográfico, não deixam de olhar-se com desconfiança própria dos desconhecidos.
No final, a certeza de que não obstante a abordagem adoptada, todos se reportarão às viagens realizadas com saudade e com orgulho.
Os sorrisos maliciosos da verdadeira versão dos acontecimentos ficarão apenas para aqueles com quem partilharam o momento em que as suas vivências se tornaram mais ricas.
Ainda que não o soubessem.

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A.N, 14.12.07
"Era uma pessoa obstinada em falar da vida que “teve” ao invés da vida que ainda terá e que será, certamente, longa.
Não se podia dizer que a vida que “teve” tivesse sido triste.
Antes pelo contrário, recordava com um secreto orgulho os momentos intensos que vivera e agradecia o dom de os conseguir interiorizar de maneira profunda, arrebatadora, agradecida.
A vida que agora tem é diferente, mas adoptara-a com um conformismo quase indiferente.
Mecanismos exteriores e gestos involuntários conduziram-na à rotina que não quis, mas que aprendera a gostar e na qual decidira confiar.
Os métodos e a organização davam-lhe, agora, confiança.
Os olhares aprovadores dos que com ela convivem aquecem-lhe o ânimo e a são responsáveis pelo aparecimento da vontade de dar de si, de construir, de trabalhar.
Um dia, sabia, o tempo que desperdiçava em papéis e relatórios, requerimentos e exposições seria sobrevalorizado e canalizado para melhores fins (ou pelo menos mais egoísticos).
Por agora, porém, o tempo escasseia, mas não é, ainda, um bem de primeira necessidade, nem um elemento deficitário na sua balança de pensamentos e emoções.
O sobretudo escuro, impregnado pelo ar contaminado de um open space no qual, por vezes, sente não se enquadrar, é esquecido, diariamente, junto à porta da casa que escolhera e agora mobilava.
A seu lado ficam, invariavelmente, esquecidos os saltos altos responsáveis pelas mazelas da sua coluna.
A sua nova pele, sofisticada e hidratada com os cremes surpreendentemente adequados à sua idade, dão-lhe um toque falso de maturidade, do qual aprendera a depender como forma de autodeterminação.
Contudo, nas manhãs de Verão, ao cruzar-se com as versões bronzeadas de si e que ainda não esquecera, uma ligeira inveja e nostalgia ocupava-lhe o espírito.
O tempo, pese embora ainda fosse gentil, já começava a afirmar a sua presença e a vincar o seu toque nas linhas do seu rosto.
As fotografias dos verões, arquivadas nas molduras que agora já pode comprar, deixaram de ter tons quentes e cheiros a fins-de-tarde.
Revelam, agora, duas míseras semanas espremidas ao máximo, nas quais insaciável busca um prazer tão efémero como a vida que sabe que agora leva.
Dizem que chegou à idade adulta.
Porém, ninguém lhe dá as boas vindas."

Tratado de Lisboa

A.N, 14.12.07
Parece que se assinou, ontem, em Lisboa qualquer coisa porreira.
Num acto verdadeiramente porreiro por parte do Governo , os habitantes e visitantes de Lisboa puderam ontem movimentar-se nos transportes públicos e visitar museus gratuitamente.
Porreiro foi ainda o Gordon Brown ter dado um salto a Lisboa, sozinha e atarefado, para apor a sua assinatura no já referido contrato porreiro que, como dita a tradição, será certamente mais porreiro para o Reino Unido do que para os restantes 26.
E que porreiro ficaram os Jerónimos ontem, embelezados como há muito não se via.
Foi assim o dia de ontem: Porreiro, pá!

Tecnologia e tradição

A.N, 07.12.07
Na sequência de um forte regresso da minha não saudosa contractura, hoje, encontro-me dependente do laptop apoiado nos joelhos e do saco de água quente nas costas.
Errado está aquele que julga que os dois mundos não se tocam...

Carta registada com aviso de recepção

A.N, 05.12.07
EMEL - Empresa Pública de Estacionamentos de Lisboa

"Junto envio a V. Ex.ª Auto de Contraordenação n.º .... que poderá paga e/ou apresentar a sua reclamação, por escrito, no prazo de 15 dias uteis junto da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sita na Av. da Republica n.º 16. 1069-055 de Lisboa, de acordo com a as intruções expressas no verso do mesmo.
Com os melhores cumprimentos"

Para além da falta de acentos ( que demonstra que a falta de cuidado e elegância dos agentes da EMEL no terreno é partilhada pelos serviços administrativos), esta carta, peca, essencialmente pelo sarcasmo.
Se me notificam para pagar uma coima, identificando-me como "arguida", parece-me, no mínimo, desagradável e irónico que me desejem os melhores cumprimentos.
No limite, aceitavam-se os votos de melhores dias.

E, sim, o trauma mantém-se.

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