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As avalanches de notícias relacionadas com as mortes solitárias e ignoradas de idosos em Portugal , à semelhança de tantas outras esmiúçadas, polidas, raspadas e esventradas pelos meios de comunicação social, entediam irremediavelmente qualquer telespectador dos noticiários nacionais.
Não digo que o telejornal deva ignorar estes episódios sinistros e lamentáveis da sociedade actual, nem que nós, portugueses, não possamos/devamos retirar ilações destes acontecimentos.
Porém, restringir essas ilações à inoperâncias das forças de segurança pública ou ao universo caótico e despersonalizado dos serviços de Segurança Social parece-me, salvo melhor opinião, limitativo e irrelevante face ao panorama geral.
Notícias tristes de solidão na terceira idade devem-nos, sim, fazer ter vontade de pôr a mão na consciência e analisar as vítimas de abandono de uma perspectiva mais distante e asséptica.
Devem fazer-nos questionar acerca do porquê da sua solidão;suspeitar de um passado menos correcto ou de atitudes menos louváveis.
Considerando, como sempre, casos excepcionais, parece-me que ninguém está sózinho porque não teve opção ou porque uma cabala universal assim o ditou.
Por vezes as vítimas de hoje, foram agressores no passado e quem sabe até se o caminho da solidão não foi, na realidade, uma opção, para quem, a certa altura da vida, a entrega a terceiros se tornou demasiado dolorosa.
Tomar conhecimento de que nos dias de hoje é possível alguém morrer só, num centro urbano e permanecer esquecida durante seis anos, deve-nos fazer repensar a nossa existência enquanto jovens e no inevitável caminho que teremos, inevitavelmente, que percorrer e no exemplo que queremos deixar para aqueles que um dia, não por obrigação ou dever profissional, um dia terão que se ocupar de nós.
As forças públicas têm o dever de prevenir e remediar catástrofes.
Não o dever de as eliminar.