Admito que passar de cavalo para burro é chato. Confesso que quando vejo os meus direitos ameaçados, reajo, dou luta, irrito-me, reivindico. Como tal, cedo na parte em que considero perfeitamente admissível que os funcionários públicos se insurjam contra as novas medidas do Governo. Mas convenhamos , meus amigos, desta vez acertaram-vos no ponto fraco. Pode ser que a partir de agora surjam novos incentivos ao ingresso na função pública que não passem por ideias como trabalhar pouco, sestas prolongadas, possibilidade de maltratar indiscriminadamente terceiros, elevadas remunerações, reformas antecipadas e desresponsabilização total por qualquer falha ou atraso no serviço ( mal) prestado. Eu, confesso, perdi uma grande parte do desejo de fazer parte do organismo estatal. Mas isto sou eu....
"Entretanto, do ponto de vista puramente psicológico, torna-se sem dúvida mais grave o adultério da mulher. Quase sempre, a infidelidade no homem é fruto de capricho passageiro ou de um desejo momentâneo. O seu deslize não afecta de modo algum o amor pela mulher. O adultério desta, ao revés, vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afectivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar. Para o homem, escreve Somerset Maugham, uma ligação passageira não tem significação sentimental ao passo que para a mulher tem. Além disso, os filhos adulterinos que a mulher venha a ter ficarão necessariamente ao cargo do marido, o que agrava a IMORALIDADE, enquanto os do marido com a amante jamais estarão sob os cuidados da esposa. Por outras palavras, o adultério da mulher transfere para o marido o encargo de alimentar prole alheia, ao passo que não terá essa consequência o adultério do marido. Por isso, a sociedade encara de modo mais severo o adultério da primeira."
Barros Monteiro, no seu Curso de Direito Civil - (in Volume 2, Direito de Família, pagina 117)
Nós, os fóbicos, vivemos atormentados com a surpresa, com o inesperado, com aquelas horas do Diabo em que somos surpreendidos pela causa da nossa fobia. Guardamos e respeitamos a fobia de cada um, sem questionar ou emitir juízos de valor, uma vez que estamos permanentemente conscientes da cumplicidade única que nos une a esses seres e nos afasta demais. Este é um relato “real” de um momento “surreal” . Relativamente aquele dia , não sei precisar se Caranguejo estava no quadrante de Saturno ou se o ascendente Leão contribuiu para o efeito. Inegável é o facto de que a conjuntura estava perfeita e veio corroborar a minha teoria da conspiração de que a nós, doentes fóbicos, tudo nos pode passar. Caminhava eu tranquilamente na Av. António Augusto de Aguiar, maravilhoso local de betão armado e de elevadas concentrações de monóxido de carbono, quando subitamente os vislumbro. Eram grandes, coloridos, pomposos e ameaçadores. Dirigiam-se orgulhosos para o eixo da via, naquela pose de arrogância e ironia que lhes é tão característica. Assustadores! Irritantes! Ameaçadores! No momento em que aguardo a mudança do sinal dos peões junto à passadeira, faz-se sentir uma rajada de vento mais forte que os coloca a uma distância mínima de mim. Suores, tremeliques, o reflexo de levar as mãos aos ouvidos, o instinto de protecção no seu apogeu. Foi então que tudo aconteceu. Os pneus derrapantes, o ranger do motor, a buzinadela. O carro chegou a uma velocidade elevada, apanhando-os de desprevenidos. As explosões! Primeiro lentas, depois mais rápidas e subitamente os tiroteios mortíferos. O tempo parou e eu, petrificada, fiquei incapaz de baixar as mãos. Não desejo a ninguém esta experiência. Balões de hidrogénio colhidos por um veículo automóvel na Av. Ant. Augusto de Aguiar, no momento em que eu me preparava para atravessar a rua, mesmo a escassos centímetros de mim. Será karma? Uma desagradável coincidência? Um brincadeira do destino para com a minha pessoa? Já não há respeito por nós, os fóbicos! E se apanho a pessoa negligente que deixou esses malditos balões à solta, nem sei o que lhe farei. Ai não sei, não...
* Para quem não sabe, eu sou provavelmente a única pessoa do planeta, que juntamente com os cães, tem fobia de foguetes, fogos de artificio, explosões de balões, bombinhas, petardos e companhia.
Os cheiros são, sem dúvida alguma, mais inesquecíveis do que muitas frases, muitas caras ou lugares. O cheiro fétido dum lago da Guiné Bissau, o cheiro de frutas maduras e maresia do Algarve, o perfume suave das camisolas da minha mãe, o cheiro das ruas de Barcelona, o odor húmido impregnado nas roupas de Barcelona. Regressar a uma cidade que já se conhece de ginjeira, aligeira os passeios e os estados de espírito, tornando dispensáveis os roteiros de viagens, esclavagistas de tantos turistas. Para mim, chegar a Barcelona é ainda mais do que isso. (Engraçado constatar que só hoje me sinto capaz de escrever alguma coisa sobre esta curta visita!) É o tumulto familiar da Plaza Catalunya, são os pés sujos e calejados por palmilhar ruas e ruas de chinelas, é a humidade nos cabelos e na pele que, misturada com a poluição, nos escurece a tez durante o dia. Mas mais do que qualquer outra memória, ainda sinto o cheiro dos fins de tarde na Barceloneta, é o cheiro das ruas do Bairro Gótico, do Raval e da Gracia, é o cheiro do metro, dos autocarros, das casas, das tapas, das claras e dos kebabs. São odores que não incomodam, que não se estranham, que não me sinto tentada a repelir. Cada lugar uma história, uma pessoa ou um momento, mas sempre o característico e inolvidável odor..