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O mundo da Ch@p@

Pequenos Nadas...

A.N, 09.06.05
O local do costume: Metropolitano de Lisboa. Linha Verde. Sentido Cais do Sodré.
Se a memória não me falha, julgo que nos vidros junto aos primeiros assentos depois da porta não figura qualquer sinal de cedência de prioridade a grávidas, idosos, inválidos ou acompanhante de crianças de colo.
Das duas uma: ou acabaram com essa reserva de lugares ou deu-se (ingenuamente) por adquirido que o costume se impõe perante qualquer regulamento ou lei, razão pela qual os autocolantes de aviso são desnecessários, uma vez que é senso comum dar prioridade a quem se encontre nalguma das situações supra mencionadas.
Uma mulher de etnia cigana entra ofegante e de forma trôpega
O apito já tinha soado e por pouco ela e a criança de colo que carregava não ficaram presas na porta.
Independentemente de não vislumbrar qualquer autocolante de aviso e sem qualquer tipo de melindre ou timidez, exige que alguma das pessoas sentadas lhe ceda o seu lugar.
“Ouçam lá, alguém que se levante e me dê o lugar. Tenho uma criança ao colo e que eu saiba, estes lugares estão reservados para pessoas como eu!”
Muitos desviaram o olhar incomodados, outros continuaram arrogantemente a ler o seu jornal e finalmente um alma caridosa, jovem e descontraído, levantou-se , dando lugar à reivindicativa mulher, que com a criança chorosa nos braços, observava com orgulho de vencedora os restantes passageiros de pé.
Paragem seguinte: Martim Moniz.
Entra na carruagem uma senhora que além de idosa era cega, acompanhada por uma amiga que a guiava, de idade igualmente avançada.
Apoiada numa bengala e com notórias dificuldades motoras, a senhora cega dirigiu-se ,apoiando-se na amiga, até ao varão que fica junto à porta, de forma a ter algum apoio durante o trajecto do metro.
Prontamente dois senhores abandonaram os seus lugares, cedendo-os às duas senhoras silenciosas e tão pouco reivindicativas.
“Oh Lúcia, olha para nós cheias de sorte. Afinal ainda há gente educada.”
Duas situações aparentemente tão distintas, separadas por míseros minutos e por tão distintas forma de estar e reagir.
Independentemente de qualquer juízo de valor acerca das condutas de cada uma delas, todas estas senhoras estavam conscientes dos seus direitos.
A diferença está em que uma reivindicou-os , exercendo-os quase que potestivamente.
Numa atitude quase que despojada de esperança, as outras resignaram-se e nem atreveram pedir o que quer que fosse.
Em comum? O facto das três não se iludirem com falsas canduras do ser humano; o facto de todas terem partido do pressuposto de que ninguém, de livre vontade , teria o civismo de lhes ceder o lugar.

E estes são os dias que correm.
E este é mais um exemplo dos pequenos nadas que significam tudo.

...

A.N, 07.06.05
É oficial: tentei beber um copo de água e a água saiu morna da torneira.
Já temos o calor, a miséria nas famílias, os escândalos políticos, corrupção, violência e um défice brutal.
Digam lá o que disserem , cá para mim somos cada vez mais assumidamente um país do 3º Mundo.
Só é, de facto, lastimável que os preços sejam os do 1º Mundo!!!



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Serviço de Urgências

A.N, 04.06.05



Ontem tive o estranho e desagradável prazer de conhecer o Servico de Urgências do Hospital Curry Cabral.
Qualquer semelhança com a série E.R e seu respectivo George Clooney, é PURA COINCIDÊNCIA!
Mas também é susceptível de fazer-nos rir...DE DESESPERO.
O motivo pelo qual a minha noite de sexta-feira foi passada no hospital, foi o facto de o J. Fermin se ter sentido mal durante o jantar.
Suores, uma mórbida palidez e dores de cabeca dilacerantes arrastaram-no para um estado de semi-inconsciência e provocaram-me um autêntico ataque de pânico.
Como louca, guiei a velocidades muito pouco legais até ao Hospital Curry Cabral, ao qual pertencemos devido a localização geográfica das nossas casas.
Apesar de não esperar desfecho diferente, o diagnóstico proferido por uma jovem interna, não foi de todo conclusivo.
Aparentemente, o J. possui uma saúde de ferro e o mais provável foi ter-se tratado de uma simples quebra de tensão.
De qualquer forma, a jovem médica recomendou um electrocardiograma e pediu-nos que aguardássemos os resultados, para depois termos uma conversa final .
Esperámos cerca de 30 minutos, para no final, o desgracado J. ,com o seu português apimentado por um sotaque latinoamericano, nos anunciar que afinal não tinha qualquer problema cardíaco.
Segundo a médica , o J. apenas tinha que obedecer a uma pequena dieta: bananas, água de arroz de cenoura, coca-cola sem gás e chá preto.
Perante a preplexidade que tamanha prescrição me provocou, dei por mim a especular:
1) Aparentemente, o problema do J. situa-se ao nível do abdomén e não na cabeça;ou
2) Algum desgraçado ontem foi para casa , incumbido na impossível missão de tratar diarreia com Benerons e outros analgésicos!

...

A.N, 03.06.05
"A literatura é quase toda sobre sexo e nada sobre ter filhos. A vida é precisamente o contrário."

David Lodge, "Um dia o Museu Britânico ainda vem abaixo", Edições Asa

Rituais de Junho

A.N, 02.06.05
Finais de tarde temperados com imperiais e caracóis.
Vontade imensa de sair de casa, despojada do peso dos casacos, braços e pernas bronzeados, suaves rubores nas caras.
Caminhadas pela cidade, ar fresco do Monsanto e vistas para o Tejo.
O alto do Parque Eduardo VII, as barraquinhas cheias de gente ávida por novos livros, por renovadas letras, expectantes, curiosos, interessados.
E depois regressar a casa, procedendo-se ao ritual de arrumar os livros nas estantes, escrevinhar o meu nome e a data da compra.
Observar o alinhamento perfeito e sorrir de contentamento: avizinham-se tantos momentos de prazer...
Subitamente os dias parecem mais longos, a vida parece mais leve, as energias parecem todas renováveis, a cidade deixa de ser tão asfixiante.

De se lhes tirar o chapéu

A.N, 01.06.05
Só hoje me apercebo, do quão admiráveis são aquelas pessoas que dedicam a sua vida a trabalhar para melhor servir os idosos.
Aqueles que com gestos simples e um sorriso nos lábios, tentam dar alguma dignidade e brilho aos últimos dias da vida de alguém.
No fundo é disto que se trata: de gestos simples, mas tão difíceis de executar.
Porque não temos tempo, porque nos inibimos, porque as suas birras são ironicamente demasiado infantis, porque os seus odores nos incomodam, porque as suas rugas, qual prenúncio de futuro, nos inquietam.
As idas a lares de idosos são deprimentes e inquietantes.
Transportam-nos para inevitáveis viagens no tempo, conduzem-nos a especulações acerca daqueles corpos cansados e curvados que, sofregamente nos observam e procuram para conversar.
Mas até as suas palavras soam inconvenientes, as suas mãos engelhadas e trémulas impelem-nos para longe; o tempo parece parar.
Queremos fugir, queremos esquecer, queremos fechar tranquilamente a porta do lar e ir rapidamente para casa, esquecer que um dia aquele poderá ser o melhor final que poderemos almejar.
Num desses momentos apercebi-me do quão mais fácil é amar e cuidar de uma criança, tocar e consentir uma pessoa jovem.Admiráveis são aqueles que o conseguem fazer igualmente com os mais velhos, aqueles que ao contrário de mim, não temem a velhice e conseguem conviver quotidianamente com ela.

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