"Sentiu, pela primeira vez, a proximidade dos trinta quando, após a um jantar no indiano acompanhado por lassi de manga, acordou assolada por uma indescritível ressaca. "
"Toda a programação televisiva de sábado de que te falei ficará, certamente, sem efeito, atendendo ser hoje o dia 13 de Maio. Raios partam este nosso estado laico."
Ciclicamente, a blogosfera de elite adopta vítimas que massacra ao ponto de as martirizar. A crítica passa a moda, o facilitismo da maledicência sobrepõe-se à crítica construtiva e à opinião fundamentada. Elogiar, além de ser mais complicado, não tem metade da graça e não surte o mesmo efeito da piadinha maldosa. O sarcasmo desperta a curiosidade e aguça o apetite daqueles que não conhecem as obras dos “mártires” da blogosfera. Como tal, estes ataques intelectuais perpetuam a memória de autores como Margarida Rebelo Pinto ou Maria Filomena Mónica que, graças à onda de destruição maciça que lhes é comummente dirigida no ciberespaço, acabam por lucrar com a situação, aumentando as suas vendas e ganhando a absolvição do público. Curiosamente, quando olho para o top de vendas da Bertrand, mais convicta fico do meu pensamento: there´s no such thing as bad publicity!Mas que se dane: à custa destes tópicos se mantém um blog actualizado e a criatividade em funcionamento.
A semana passada, em Valladolid, Espanha, um tetraplégico apareceu morto em sua casa. Como habitualmente, a policia iniciou as investigações para determinar a causa da morte de Jorge León que, ao sofrer um acidente doméstico aos 47 anos de idade, viu a sua existência depender de uma máquina que lhe permitia respirar, já que de forma natural tal não era possível. Essa mesma máquina que estava desligada, quando o corpo de Jorge foi encontrado sem vida. Imóvel, à excepção dos lábios, com a respiração assistida e sem qualquer tipo de intimidade, Jorge era deslocado da cama para a cadeira de através de uma pequena grua e comunicava com o mundo através do blog que mantinha e no qual espelhava mensagens de desespero, clamando por ajuda para pôr fim à sua reduzida existência. Uma história igual a tantas outras, uma quase-vida tão semelhante a outras milhentas quase-vidas. Sem uma opinião totalmente estruturada e fundamentada acerca do tema da eutanásia, aventurei-me no blog de Jorge, onde os post não deixam margem para dúvidas para aqueles que duvidassem do seu desejo de pôr um ponto final à sua existência. E se angustia conceber este cenário, mais angustiante é ler o diário dos dias deste homem. Não resisto a questionar-me : tratando-se de um caso em que a pessoa se mantém lúcida e dona de um pensamento coerente, até que ponto o seu desejo não poderá ser acatado? Até que ponto se poderá considerar inviolável esta não vida? Até que ponto será ético negar-lhe ajuda para colocar um ponto final ao sofrimento que se converteu no modo de estar permanente? Onde reside a dignidade e a nobreza de gestos daqueles que voltam as costas e , por vezes de forma egoísta, prolongam o sofrimento daqueles que há muito deixaram de viver? O que é afinal a vida? Em que é que consiste ser humano? Para as pessoas de formação católica compreendo que a discussão não ganhe estes contornos, nem coloque tantas dúvidas. Afinal, para os crentes, todos somos peões dum grande plano que Deus traçou e só ele poderá decidir dar e tirar a vida. Por este motivo, não pretendo deslocar a questão para o campo religioso. A história mostra que a religião, ao longo dos séculos, nunca serviu para solucionar problemas, antes pelo contrário, sempre funcionou como ponto de controvérsia e disfarce para a prática das maiores atrocidades da Humanidade. De um ponto de vista meramente racional, parece-me ilógico que alguém com o discernimento suficiente para se autodeterminar, ainda que fisicamente incapacitado, se veja impedido de pôr termo à sua vida, devido a uma lei que pune, criminalmente, aqueles que lhe prestam ajuda para o fazer. Uma mesma lei penal que, cobardemente, prefere ignorar os testes ilegais de medicamentos que matam às centenas em África a troco de milhões de dólares para governos gananciosos; que pune com uma mão mais branda aqueles que, brutalmente e de forma animalesca, tiram a vida daqueles que querem e podem viver, face aqueles que praticam crimes económicos que tacitamente todos aceitamos; que não procura adaptar-se à sociedade actual e ao conceito de dignidade humana que o mundo ocidental tem vindo a adaptar;uma lei penal que se orgulha de ser laica, mas permanece amarrada a princípios católicos que não despertam sentido crítico; que não procura soluções intermédias e casuístas, acabando por gerar injustiças ao tratar de forma igual aqueles que são, efectivamente, diferentes.