Confesso ter recebido um exemplar do "Rio das Flores". Confesso que me sabe a mel ler cada uma das suas folhas. Confesso que me é totalmente irrelevante que seja literatura comercial, direccionada às ignóbeis massas. Opino, aliás, que a sua lombada de letras garrafais encarnadas fita a matar quando alinhada entre Proust e Ian McEwan. Confesso (não obstante não poder assegurar que não é o açúcar a falar) que não trocaria esta pastilha elástica literária por nenhum artigo que defenda a eleição de Vladimir Putin enquanto personalidade do ano ou divagações pseudo-intelectualóides acerca do affair, no minimo visualmente desagradável, entre Sarkozy e Bruni. Mas isto sou só eu a divagar, sob o ainda presente efeito de excesso de sonhos de abóbora, o que no "jargão jurídico" provavelmente me classificaria como inimputável.
Esqueçam-se as amarguras, as correrias de última hora e as compras histéricas e irreflectidas. A amargura enterra-se em filhozes, sonhos e azevias. Rabanadas para adocicar o mau feitio e doses moderadas de açúcar são recomendadas para evitar ataques de hiperactividade. O tempo é de serenidade. O Natal é, sem dúvida, o momento privilegiado das familias: não se escolhe, supera-se; não se planeia, sobrevive-se. É um caos viciante, sem o qual, no fundo, sabemos não poder viver e que acolhemos, todos os anos, com uma inocência infantil que permanece sob a máscara do queixume.
Há três tipos de pessoas que viajam por lazer: os viajantes, os turistas e aqueles que a quem nunca deveria ser-lhes permitido fazê-lo. O viajante busca experiências que acredita serem únicas; evita o percurso dos guias e os lugares de visita supostamente obrigatórios. Não se faz rogado a misturar-se com os locais e com os seus costumes, ostentando, até, um certo brio quando por obra do acaso é confundido com um destes. Come mal, dorme pouco, orgulha-se do barato e do extravagante e adopta as novas realidades como se da sua se tratassem, com humildade e abertura de espírito. Por outro lado, colecciona países e experiências como se de cromos se tratassem; rabisca o nome de cafés anónimos em cadernos putrefactos que guarda esquecido na casa que por nascimento ou escolha lhe coube, a qual decora com artefactos, objectos inúteis e outros troféus que lhe trazem aromas de outras paragens. No viajante encontramos, pois, um paradoxo: por um lado um interesse e uma curiosidade aguçada que não encontramos, por exemplo, no simples turista, mas por outro lado, a vertente recordista dos cromos coleccionados e uma certa massificação dos países visitados. Relativamente ao turista, a análise afigura-se mais simples. O verdadeiro turista é sistemático; organiza itinerários e reparte o tempo disponível por cada uma das visitas consoante o seu grau de importância. Interessa-se q.b, mas confia unicamente nos guias que transporta, interroga as gentes locais e durante uns breves momentos quase que consegue acreditar que faz parte da sua civilização. O excesso de bagagem, as máquinas fotográficas e a limitação temporal das férias do turista denunciam-no, porém, remetendo-o à sua condição natural. Conhece menos do que o viajante, é certo, mas confortavelmente se contenta com o superficial, com a realidade que uns olhos menos distraídos conseguem captar e posteriormente guarda pequenos souvenirs para poder relatar, a quem o visita, as belas estâncias no estrangeiro. Fatal como o destino é encontramos algum dos membros da terceira classe: os que nunca deveriam viajar mas que o fazem, fingindo-se à vontade num ambiente que desde logo rejeitam. Antes de mais são privilegiados, mas não o sabem, assumindo como um direito natural o facto de terem acesso a um tipo de conhecimento vedado a muitos desfavorecidos. Por outro lado, os que nunca deveriam viajar e o fazem, jamais relaxam. Comparam, ainda que mentalmente, cada realidade distinta, acabando, inevitavelmente, por concluir que no país onde nasceram e vivem, de facto, as coisas correm melhor, parecendo-lhes abjectos todos os hábitos que inexistem no seu país de origem. A diversidade cultural, incentivo natural à descoberta e à adrenalina do viajante, enfada aqueles que nunca deveriam viajar. Perante papaias sonham com cozido à portuguesa; perante um pequeno-almoço de cereais almejam french toasts e quesadillas. Jamais estão satisfeitos ou controlam as suas reclamações (fundadas ou nem tanto), mas não acabam com as expectativas defraudadas, pois à partida não as têm. Secretamente, apenas viajam para confirmar que viajar não vale a pena e de certa forma legitimar o facto de nunca terem saído da pátria mãe. Pelo planeta fora, cruzam-se estes três protótipos de passageiros, os quais coincidindo no mesmo local geográfico, não deixam de olhar-se com desconfiança própria dos desconhecidos. No final, a certeza de que não obstante a abordagem adoptada, todos se reportarão às viagens realizadas com saudade e com orgulho. Os sorrisos maliciosos da verdadeira versão dos acontecimentos ficarão apenas para aqueles com quem partilharam o momento em que as suas vivências se tornaram mais ricas. Ainda que não o soubessem.
"Era uma pessoa obstinada em falar da vida que “teve” ao invés da vida que ainda terá e que será, certamente, longa. Não se podia dizer que a vida que “teve” tivesse sido triste. Antes pelo contrário, recordava com um secreto orgulho os momentos intensos que vivera e agradecia o dom de os conseguir interiorizar de maneira profunda, arrebatadora, agradecida. A vida que agora tem é diferente, mas adoptara-a com um conformismo quase indiferente. Mecanismos exteriores e gestos involuntários conduziram-na à rotina que não quis, mas que aprendera a gostar e na qual decidira confiar. Os métodos e a organização davam-lhe, agora, confiança. Os olhares aprovadores dos que com ela convivem aquecem-lhe o ânimo e a são responsáveis pelo aparecimento da vontade de dar de si, de construir, de trabalhar. Um dia, sabia, o tempo que desperdiçava em papéis e relatórios, requerimentos e exposições seria sobrevalorizado e canalizado para melhores fins (ou pelo menos mais egoísticos). Por agora, porém, o tempo escasseia, mas não é, ainda, um bem de primeira necessidade, nem um elemento deficitário na sua balança de pensamentos e emoções. O sobretudo escuro, impregnado pelo ar contaminado de um open space no qual, por vezes, sente não se enquadrar, é esquecido, diariamente, junto à porta da casa que escolhera e agora mobilava. A seu lado ficam, invariavelmente, esquecidos os saltos altos responsáveis pelas mazelas da sua coluna. A sua nova pele, sofisticada e hidratada com os cremes surpreendentemente adequados à sua idade, dão-lhe um toque falso de maturidade, do qual aprendera a depender como forma de autodeterminação. Contudo, nas manhãs de Verão, ao cruzar-se com as versões bronzeadas de si e que ainda não esquecera, uma ligeira inveja e nostalgia ocupava-lhe o espírito. O tempo, pese embora ainda fosse gentil, já começava a afirmar a sua presença e a vincar o seu toque nas linhas do seu rosto. As fotografias dos verões, arquivadas nas molduras que agora já pode comprar, deixaram de ter tons quentes e cheiros a fins-de-tarde. Revelam, agora, duas míseras semanas espremidas ao máximo, nas quais insaciável busca um prazer tão efémero como a vida que sabe que agora leva. Dizem que chegou à idade adulta. Porém, ninguém lhe dá as boas vindas."
Parece que se assinou, ontem, em Lisboa qualquer coisa porreira. Num acto verdadeiramente porreiro por parte do Governo , os habitantes e visitantes de Lisboa puderam ontem movimentar-se nos transportes públicos e visitar museus gratuitamente. Porreiro foi ainda o Gordon Brown ter dado um salto a Lisboa, sozinha e atarefado, para apor a sua assinatura no já referido contrato porreiro que, como dita a tradição, será certamente mais porreiro para o Reino Unido do que para os restantes 26. E que porreiro ficaram os Jerónimos ontem, embelezados como há muito não se via. Foi assim o dia de ontem: Porreiro, pá!
Na sequência de um forte regresso da minha não saudosa contractura, hoje, encontro-me dependente do laptop apoiado nos joelhos e do saco de água quente nas costas. Errado está aquele que julga que os dois mundos não se tocam...
EMEL - Empresa Pública de Estacionamentos de Lisboa
"Junto envio a V. Ex.ª Auto de Contraordenação n.º .... que poderá paga e/ou apresentar a sua reclamação, por escrito, no prazo de 15 dias uteis junto da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sita na Av. da Republica n.º 16. 1069-055 de Lisboa, de acordo com a as intruções expressas no verso do mesmo. Com os melhores cumprimentos"
Para além da falta de acentos ( que demonstra que a falta de cuidado e elegância dos agentes da EMEL no terreno é partilhada pelos serviços administrativos), esta carta, peca, essencialmente pelo sarcasmo. Se me notificam para pagar uma coima, identificando-me como "arguida", parece-me, no mínimo, desagradável e irónico que me desejem os melhores cumprimentos. No limite, aceitavam-se os votos de melhores dias.