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O mundo da Ch@p@

La Digue

A.N, 30.07.09

Era uma vez um grupo de marinheiros que navegava por terras assombrosamente desconhecidas em busca da India.

Ao largo das Maldivas encontraram estranhos frutos, em muito semelhantes aos cocos das exóticas palmeiras que povoavam as ilhas verdejantes que quebravam o azul turquesa do mar em que viajavam.

No entanto, nenhuma palmeira surgia no horizonte, nem nos horizontes que se seguiram.

A explicação era inevitável, especialmente se ignorarmos as correntes e a força das marés que arrastam os despojos das pérolas do oceano: eram frutas do mar e por isso chamaram-lhes coco de mer.

 

O nome ainda hoje se mantém.

As incomensuráveis distâncias e as curtas vistas, felizmente, já não.

...

A.N, 27.07.09

Não tenho filhos e por isso este texto vale o que vale.Tomem-no como totalmente desprovido de fundamento real e não procurem semelhanças com a realidade, pois para a minha sanidade mental e principalmente para a vossa sanidade mental, o mais fácil é analisar os personagens do enredo de um ponto de vista fícticio, distante, novelesco.

 

 

 

Era uma vez um filho que cresceu a acreditar que tinha os melhores pais do mundo. Por sua vez, os pais, de maneira gratuita e recíproca, consideram-no o melhor dos filhos, o mais astuto e paradoxalmente vulnerável das criaturas a quem a todo o custo tentaram proteger.

Protegeram-no na convicção que era o melhor de faziam, que abraçá-lo seria a melhor forma de compensar a loucura cruel da sociedade em que viviam, de o preparar para os desgostos que a vida lhe reservava, para o ajudar a superar os obstáculos com os quais eles próprios se tinham deparado e tinham tido dificuldades em ultrapassar.

Os anos passaram e de um dia, sem que aparentemente nada o justificasse, os pais deixaram de parecer admiráveis, deixaram de aspirar respeito, deixaram de ser ouvintes e companheiros para se reduzirem ao papel vil dos inimigos surpresa, com a necessária dose de desgosto e mágoa da descoberta.

Os pais, cegos e sem prejuizo do erro, insistiam na protecção, mas a falta de jeito e o cansaço da idade afundaram ainda mais o fosso que os separava.

Ele sentia saudades. Eles conheciam o desespero. O orgulho, por um lado, e o medo terrível de um ruptura definitiva amargava-lhes o gosto dos dias, a passagem das horas, os planos do futuro.

Um dia sentar-se-iam e o assunto nunca seria discutido, como se uma esponja o tivesse sugado, como se a nódoa tivesse milagrosamente desaparecido.

Ele continuaria a ter problemas e eles continuariam a laborar no mesmo erro, na constante esperança de que o desfecho fosse menos mau.

E à moda das boas famílias, nenhumas explicações seriam dadas. Na paternidade, aliás, as palavras parecem ser um bem supérfluo.

 

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A.N, 16.07.09

 

Em Portugal e presumivelmente em muitos países do mundo, o Direito é ensinado e veiculado como algo transcendental, inatingivel e complexo e como tal não compreensível pelo cidadão comum, banalmente conhecido como o bom pai de família.

Com espanto e perplexidade, recordo anos de devaneio ideológico e aborrecimento visceral durante as aulas da faculdade, onde senhores brilhantes me incitavam a decorar as suas igualmente brilhantes teorias e interpretações divergentes que eu, contudo, não compreendida, interiorizava ou concretizava.

 

Se com a prática, as  barreiras falsamente intransponíveis do Direito foram perdendo a sua dimensão grotesca, outras barreiras sobrevieram e impedem o meu discurso legalista de cumprir a sua missão  quando tento transmitir a minha mensagem aos meus destinatários.

 

A propósito deste tema, há umas semanas atrás tive a oportunidade de comprovar a minha teoria, ao assistir a um debate de cariz jurídico, em directo na televisão nacional, relativamente às malfadadas eleições do Sport Lisboa e Benfica.

Se por um lado os telespectadores foram presenteados por um orador conhecedor do tema, dos palavrões jurídicos e da lógica das disposições legais, do outro lado e paradoxalmente os mesmos espectadores (que leia-se são leigos na matéria) puderam ver os argumentos apresentados pelo douto doutor ser refutados por um não tão douto colega que em flagrante e chocante contradição com a lei, mas com a simplicidade do seu vocabulário, a sua veemência e fulgor e uma mensagem perceptivel a qualquer cidadão comum, convenceu os presentes e ausentes de uma posição, aparentemente, sem grande fundamento juridico.

A lei de pouco ou nada serve se não vai ao encontro das necessidades da sociedade.

Para a sociedade, a lei perde significado e o seu sentido prático, quando disfarçada em sinónimos retorcidos e palavrões de difícil compreensão.

Uma mensagem, ainda que torpe e errada, desde que proferida com o vocabulário correcto, atinge o seu objectivo final: o seu destinatário.

A lei da força e da certeza, porém, dispensa explicações e vocabulários e no entanto é a única que transpõem as barreiras da comunicação e se torna perceptível pelo Cidadão que teve o azar de nascer num regime civilista e não num sistema que abraça o senso comum.

 

 

 

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A.N, 13.07.09

 

Admitamos.

Quer estejamos a ser teoricamente tolerantes, crentes, cépticas ou críticas, a verdade é que quase todas as mulheres têm opiniões fortes.

Infundadas, razoáveis, pessoais ou especulativas, as opiniões das mulheres, quando comparadas com aquelas proferidas pela maioria dos homens, são peremptórias, firmes, fortes, o que não é necessariamente bom. Aliás,  leva-as a morrer como o peixe: pela boca.

Até quando referem o dia em que as maior parte das crenças cairam por terra, as mulheres fazem-no de forma decidida, sem prejuizo de saberem que muitas mais deixarão pelo caminho até à velhice.

Elas (as musas deste desabafo) tinham à volta de vinte e cinco anos.

A idade em que ao conhecer-se alguém novo passoi a implicar uma espreitadela para o anelar esquerdo; a idade onde as certezas do passado começam a cair no rídiculo.

 

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A.N, 08.07.09

 

 

 

Acredito que tenha havido uma época, na qual viver consistia em simplesmente sobreviver.

Sobreviver à fome, às intempéries, aos mais fortes, ao inesperado, às doenças e fragilidades da condição humana.

Com a evolução da tecnologia e a sofisticação dos hábitos, ganhámos vicios, comodismos, atitudes narcisicas, exigências consumistas ou caprichos infundados de uma civilização que já não se contenta com apenas aquilo de que necessita.

Um dia, porém,tudo termina. Como um sopro, um calafrio, um rasgo de clarividência que deita tudo por terra. Porque somos humanos, porque falhamos, porque não fomos apenas nós que evoluímos.

Viajar até Ngonrongoro , se bem que não despojados de luxos e preconceitos, permitiu-nos levantar levemente o véu e fazer parar, por um instante, a espiral em que nos movemos diariamente e que não admite segunda volta, hesitações ou outras palavras.

O vento frio da altitude e do principio da manhã, a falsa calma da cratera, a selva que dá lugar à savana, o terno impala que se refugia junto ao lago de forma a evitar morte certa nas garras do felino.

O silêncio da paisagem (silêncio que apenas em África encontramos), cortado pelos jeeps lentos cansados de conhecer os trilhos, a tranquilidade dos olhares, a constatação da simplicidade da vida: afinal, para morrer, basta apenas estar vivo.

 

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