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O mundo da Ch@p@

...

A.N, 26.07.10

As mulheres da minha geração partem sózinhas.

Abandonam empregos, listas de afazeres, os check-ups anuais e o preconceito. Trocam os saltos pelas havaianas e partem à aventura.

À procura do garimpeiro moreno, dos olhos verdes argentinos, dos músculos gregos ou simplesmente de uma recordação, de um avião entre o sol e a lua que abandonaram quando ao saltar.

 

As mulheres da minha geração não têm preço, não têm escalas, não pedem nada.

Merecem tudo e nada lhes pode ser negado.

O problema, às vezes, reside apenas em não saber o que se pedir.

Rotina

A.N, 22.07.10

 

Ele gostava de a ver chegar ofegante, com os cabelos desalinhados e olheiras profundas das longas horas perdidas em frente ao computador. Estupidamente tinha-se convencido que o deixava mais incomodado a calma dela, do que a euforia que a assolava em dias como aquele.

 

Ouvia-a lamuriar-se do dia, dos colegas, do volume de trabalho, das filas do supermercado, do idiota do taxista que insistiu em não deixá-la mudar de faixa de rodagem e sorriu ao ver o trejeito irreflectido que ela fazia com a boca, ao relatar episódios que a indignavam.

 

Desvalorizava as dores que ela sentia nas costas. Afinal, eram mais umas para juntar à sensação de pernas cansadas e às feridas incessantes provocadas pelos sapatos novos que ela não deveria ter comprado.

 

Indiferente ao olhar absorvente dele e à passividade com que a escutava, ela prosseguiu, relatando ao mais ínfimo detalhe o almoço que tivera com a mãe, as críticas que a mesma tecera à forma como eles insistiam em adiar a decisão de trocar de carro e a secreta censura da decisão de não terem filhos.

 

Ela pôs a mesa em gestos rápidos e  nervosos e ele soube que ela sentia fome. Ficava sempre eléctrica quando tinha fome e apesar do esforço que fazia para controlar a ansiedade, a forma imediata como a mesma se dirigia à cozinha quando entrava a casa denunciava-a.

 

Aos poucos deixou de a ouvir e concentrou-se nas garfadas de arrorz, recordando outros tempos em que ela não se queixava, não estava cansada e não se esforçava por se conformar com um mundo que um dia tinha ousado rejeitar.

 

Tinham envelhecido os dois e ele adivinhou que ela, nas suas costas, provavelmente queixar-se-ia dele e dos seus hábitos às amigas. Não por convicção, mas por necessidade de o fazer, para  ser aceite e, talvez, por precaução, porque as desilusões são inevitáveis e que ninguém pudesse, eventualmente, duplicar a sua humilhação, recordando-a das maravilhas que um dia proferira acerca dele.

 

Resolveu não lhe dizer nada naquela noite e deixá-la falar.

 

Um dia destes ele perguntar-lhe-ia o que sucedera para a deixar tão amarga.

 

Hoje, porém, o azedume dela ainda lhe basta e amanhã, afinal, sempre é outro dia.

Black

A.N, 12.07.10

 

 

Não é que as coisas não tivessem importância. O problema é que tinham demasiada.

Um tudo ou nada diário, noites que decidiam os dias e dias que marcavam vidas, onde a moderação não tinha lugar e a razoabilidade não fazia sentido.

Éramos adolescentes e sentiamo-nos profundos, donos de uma sabedoria e maturidade que a vida adulta considera luxos.

A música era tudo e tudo se reconduzia às letras que sabiamos de cor e anotávamos nos diários que nunca ninguém leu e que hoje nos envergonham, ao recordar-nos aquilo que a memória selectiva da sobrevivência nos fez esquecer.

Naquela noite, todos nos sentimos outra vez com quinze anos.

A julgar que sabíamos viver porque fumávamos sem tossir. A julgar que sabiamos querer, porque não podíamos conceber outra forma de amar, a entregar de bandeja corações e inocências, sem consciência de que aquela seria a última vez que o faríamos.

Foi a época de todos os problemas, numa época em que estes, na realidade, não existiam.

Não sabíamos nada, mas queriamos tudo, com uma certeza derradeira, arrebatora, imutável.

Foi a época em que os episódios que hoje, presunçosamente, classificamos como insignificantes, nos tornaram naquilo que somos e nos impedem de ainda acreditar que um dia seremos aquelas pessoas que aos quinze anos quisemos ser.

 

O fundo da tela da memória é negro, mas ao recordar, escolhemos hoje as cores com que o queremos tingir.

 

 

...

A.N, 02.07.10

O Estado não teria qualquer legitimidade para interferir no negócio PT/Telefónica, caso o chamado núcleo duro de accionistas nacionais da PT (que afinal eram mais coesos do que se pensava, mas não na adopção da posição de que o Conselho de Administração da PT esperava), na qualidade de dignos representantes dos investidores portugueses, tivessem já dado sinais de pretenderem desenvolver novos projectos capazes de gerar riqueza nacional e tivessem demonstrado aos mercados que pretendem investir, criar e fomentar a criação de empresas e não limitar a sua actuação apenas a actos de mera especulação.

 

O uso da Golden Share não é, como o Financial Times o qualifica, uma estupidez colonial, nem uma qualquer manifestação de nostalgia colonialista. Em causa está pura e simplesmente dinheiro, ou, melhor, a falta dele, por parte dos accionistas que aprovaram o negócio, bem como do Governo que o vetou.

 

Esqueceu-se, porém, o Estado que nem todos os fins justificam meios, bem como a velha máxima que diz que um almoço nunca é de graça.

 

A generosa União Europeia que tantas vezes abriu os cordões à bolsa, impõe contrapartidas aos seus Estados Membros, não assistindo a países com a dimensão de Portugal a possibilidade de optar por permanecer à margem das grandes concessões exigidas aos restantes membros da União, como o Reino Unido o fez, antecipada e cautelosamente e ainda assim beneficiar das suas regalias e vantagens. Arriscamo-nos, pois, a ficar com os dois pássaros no ar: ser condenados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, com as necessárias consequências e ao mesmo tempo ver concretizado um negócio que retira rendimentos ao país, ao mesmo tempo que nenhuma acção de fomento da economia e de investimento é tomada.

 

E assim se reina na terra de ninguém.

Telefonica/PT/Vivo

A.N, 01.07.10

 

 

Falar-se em nacionalismo a um povo que continua a enganar-se na letra do Hino e que considera que dar tudo pela pátria é pendurar a bandeira nacional na marquise é, no mínimo, um esforço inglório...

Rescaldo

A.N, 01.07.10

 

 

Apesar de não ser a minha escolha, parece-me que a Argentina até merece ganhar o Campeonato do Mundo.

Afinal, foi o único país participante, de que eu tenha conhecimento, por quem alguém prometeu dar o ânus ao jogador que marcasse o golo da vitória derradeira.

 

Digam lá o que disserem dos avanços da modernidades, isto hoje, certamente, ainda deve valer qualquer coisa.