Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O mundo da Ch@p@

...

A.N, 28.03.11

 

Eu não tento explicar o que levou aquelas pessoas a esperar de madrugada, à chuva, pelo resultado do escrutínio.

Não vou perder tempo a justificar ou a encontrar razões lógicas, racionais e isentas que possam justificar o descontrolo emocional, a barbárie da violência, a revolta nas palavras e nas acções.

Afinal, aconteça o que acontecer, no dia seguinte a vida continuou, retomando a marcha no exacto momento onde a pausámos.

Pertencer a um clube é como acreditar em Deus; como ter uma religião em que se acredita porque sim, porque algo íntimo nos compele a acreditar e a vivê-la, numa época de pura descrença e de estimado rigor científico.

Não se explica nem se vende, não se empresta ou impinge.

Pertencer a um clube , no limite, consiste nisto: numa espiral irracional e despropositada, num desperdício de tempo, fundos e expectativas.

 

 

Mas para as pessoas que realmente importam, que realmente entendem o que é ser clubista , não é preciso voltar a explicar tudo isto, certo?

...

A.N, 16.03.11

No meu local de trabalho foi proibido o acesso ao Facebook à generalidade das pessoas .

De um dia para o outro, sem aviso, sem justificação e estranhamente sem reprimendas, o passatempo dos que insistem em não fumar e cujos corações não aguentam mais de 3 cafés por dia, ficou reduzido a cinzas. Tudo, claro está, em prol da produtividade.

O resultado, contudo, não é estonteante.

Os que fumam, começaram a fumar mais. Os amantes da cafeína, mais cedo do que o costume, têm que se retirar para casa, com sintomas de hipertensão arterial .

Os que não pertencem a esses grupos, a julgar pela amostra que tenho, tendem a sair mais tarde.

Talvez seja a ausência de notícias de vidas mais interessantes ou o desconhecimento total dos eventos a decorrer na cidade que faz com que nós, os possuidores de poucos vícios, consigamos trabalhar mais e fossilizar durante mais tempo.

E, apesar de compreender e de certa forma aplaudir, a restrição do acesso às redes sociais no local e, essencialmente, no horário de trabalho, a verdade é que um corte com o Facebook, para algumas faixas etárias e em amizades menos cuidadas, pode significar um alheamento total da realidade dos que supostamente nos rodeiam.

As notícias já não chegam por telefone; os sentimentos não se confessam por cartas; os sms são caros considerando a que podemos comunicar, de forma gratuita e eficiente através de uma parede pública. Os emails ficam sem resposta, talvez por serem longos, mas a partilha de estados de espírito procura dar resposta às questões que nos colocaram e não queremos responder.

Depois de dias de alheamento, em que o telefone não tocou e os emails consistem, essencialmente, em trabalho, acabo de ver - ou ler, consoante os casos - que a bebé de um antigo colega de escola nasceu; que as férias no Brasil da S. foram animadas e que houve festa de Carnaval no CF. Vi pessoas a fazer luto e a desinibir tristezas; pessoas a celebrar uma viagem de fim-de-semana ou pessoas a queixarem-se do frio no norte da Europa.

Vi, sem ver, pessoas.

Vi a vida que se quer primordialmente privada, ser devassada publica e voluntariamente e, apesar do desconforto dessa constatação, apercebi-me que nos dias que correm, apenas dessa forma a consigo ver.

 

...

A.N, 14.03.11

Fomos ao restaurante da moda e ficámos convencidos, saciados, confortados e não totalmente escandalizados quando a conta chegou.

Foi uma noite bem passada, em excelente companhia, sem pressas ou delongas, com uma variedade significativa e prazeirosa de sabores e origens.

 

E, não fosse sentirmo-nos, literalmente, a caminhar no red carpet enquanto nos dirigiamos para a mesa, sentir que o mundo parava quando a porta da rua se abria e sermos constantemente escrutinados por olhares inseguros de wannabees que ali permaneciam em silêncio, num esforço magnânime de ver e ser visto, quase que poderíamos estar num restaurante de Nova Iorque.

...

A.N, 14.03.11

Proclama-se a necessidade de revolução nas mentalidades e nas ruas. Consequências, porém, são poucas.

Houve os que saíram à rua para lembrar que a economia os maltrata; houve os que arrastaram os avós e pais saudosos da revolução de Abril, enquanto carregaram aos ombros os rebentos do século XXI, cujo futuro está condenado.

 

Estavam lá aqueles que se revêem nos ideais do movimento organizador, os que levaram a sério o conselho hipócrita de Cavaco, os que acreditam piamente que um contrato de trabalho sem termo e um acesso facilitado ao crédito lhes trará a bonança e a maturidade que a juventude dos tempos modernos não lhes permite alcançar; os injustiçados e os justiceiros, os que não ousam calar-se, mas não sabem do que falam.

E também lá estavam aqueles que foram, simplesmente, pelo prazer do convívio.

 

Mas afinal, era, realmente, necessário ter um ideal para marchar em direcção à Praça de Camões, no Sábado à tarde?

 

Portugal tem um longo caminho a percorrer no que respeita  a manifestações. Para ser levado a sério, os portugueses têm que ser sérios. Exigir, mas com firmeza, com objectivos concretos e palavras responsáveis.

Milhares saíram à rua, é certo, e só essa demonstração de cidadania e participação activa na sociedade, deve ser um motivo de regozijo. Mas, contrariamente ao que dizia o outro, o caminho nem sempre se faz caminhando.

Por vezes, e em assuntos de especial importância, convém saber para onde nos dirigimos e porque razão o fazemos.

 

 

 

 

...

A.N, 01.03.11

Com um olhar de menina nostálgica, a J., companheira de escola dos tempos da adolescência que deixei de acompanhar a partir da idade adulta, perguntou-me se eu tinha casado com o meu primeiro namoradinho púbere da época do liceu.

 

Pareceu-me triste quando a informei que Deus nos livre! não .

Perante a rapidez e rispidez da minha resposta, exageramente pronunciada face à profunda surpresa de ver-me confrontada com tal pergunta, a J. confessou-me que adoraria que tal tivesse acontecido porque segundo ela parecíamos tão queridos naquela altura e ela precisava tanto de ver confirmada a sua teoria que as verdadeiras histórias de amor adolescente não só existem, como sobrevivem.

 

Não tive coragem de a esclarecer relativamente à verdade dos factos, rematando apenas que tinha descoberto a verdadeira faísca muitos anos depois e do outro lado do Atlântico.

Saindo sem mazelas daquele encontro com o passado, apercebi-me que no fundo, cada um de nós acredita não há história de amor como a sua e paradoxal e inocentemente assume que as histórias de amor dos outros têm sempre o ingrediente que falta à nossa para que esta seja perfeita.

 

E ainda bem que assim é, porque o que seria do Nicholas Sparks se alguém revelasse ao mundo que nem todos os homens são cavalheiros, que nem todas as mulheres ousam deixar cair por terra o seu orgulho e que as coisas, por vezes, são apenas o que são: um perfeito disparate.

 

...

A.N, 01.03.11

Faz exactamente hoje dois anos que comecei a trabalhar no sítio onde hoje definho (mas com gosto, leia-se) mergulhada entre papeís, regulamentos, contratos e emails.

 

Em jeito de celebração, esta manhã fui interrompida impunemente durante a execução das minhas tarefas por uma colega - na caricata acepção da palavra - que partilha o mesmo espaço físico que eu há cerca de um ano, pese embora estejamos pudicamente separadas por finas paredes contraplacadas.

 

Entrando, de forma atabalhoada, pelo corredor que se confunde com o meu gabinete, a colega pergunta-me se o Dr. G. se encontra, num gesto que poderia ser de cerimónia, antes de avançar para o gabinete daquele causidico.

Respondo-lhe que está, mas que não sabia dizer-lhe se o mesmo se encontrava acompanhado.

Despachadamente, a colega volteia-se e pergunta-me, descontraidamente, se eu por acaso percebo alguma coisa de leis porque tinha recebido uns papeís do tribunal dirigidos ao seu companheiro que não conseguia decifrar.

 

Três segundos de estupefacção depois, respondo-lhe que sou advogada, pelo que se presume que perceba alguma coisinha...

Após soltar uma breve gargalhada, a colega confessa que sempre tinha achado que eu era secretária do Departamento Jurídico.

 

Dois anos volvidos, é satisfatório ver que tenho vindo a deixar uma marca significativa naquele lugar.