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Os meus pais chegaram a uma idade em que realizar programas ou tarefas que não se enquadram na rotina dos seus dias já lhes começa a causar alguma confusão. São pessoas de hábitos: uns saudáveis, outro nem tanto, mas em todos encontram algum conforto, numa idade em que a emoção da espontaneidade, segundo julgam, já não se adequa.
Hoje informaram-me, en passant, que esta noite iam ver um musical.
Depois de alguma insistência da minha parte em querer saber mais detalhes acerca deste inesperado programa, a minha mãe, desculpando-se com a insistência do meu pai, esclareceu-me que iam ao Tivoli, ver um musical sobre a história do Sporting, intitulado "1906 - Um grande Amor".
Como é óbvio, a minha cultura futebolística e, em especial, a minha cultura clubistica continua a não ser suficiente para acompanhar as iniciativas culturais deste clube que não escolhi, mas que naturalmente herdei ao nascer numa casa onde os homens se recusam a falar quando o Sporting perde (o que, nos últimos tempos, tem adensado o silêncio familiar) e onde as mulheres sustentam que o verde é a cor mais bonita de todas.
Mas agora, horas volvidas desde a surpresa do anúncio do programa familiar, começo a compreender melhor o que levou os meus pais a sairem do conforto do sofá esta noite.
Não é uma questão da fanatismo, uma vez que estes foram abençoados com o dom da razoabilidade e bom senso.
Não estão aborrecidos, pois se estivessem, poderiam ter ido ao cinema ver se o Michael Blomkvist que tanto leram este ano assenta bem no Daniel Craig.
O que justifica esta atitude dos meus pais é algo que não se consegue explicar a um adepto de um clube rival: é, como o título do espectáculo indica, amor, na sua vertente mais irracional.
Entre os benfiquistas que me rodeiam, poucos são os que amam o seu clube quando perde. Amam os seus jogadores, é certo e , por vezes, quase que conseguem simpatizar com o seu treinador. Os portistas, mais do que clubistas, são regionalistas e a sua zona de conforto é a vitória.
Os sportinguistas não se entendem, nem se fazem entender, mas amam, estranha e ironicamente, o seu clube, digerindo, com dissabor mas rapidez, as derrotas e sucessivas desilusões.
E, nos dias que correm, ser sportinguista é triste, porque não só se ama um clube que actualmente não merece ser amado, como este não é, efectivamente, amado pelos seus dirigentes e jogadores.