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O mundo da Ch@p@

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A.N, 07.08.12

Quando terminei de ler o "Cinquenta Sombras de Grey" tinha decidido que não iria escrever sobre o mesmo, de forma a não perpetuar a polémica que se desenvolve à volta deste best seller.

 

No entanto e exactamente por não compreender como um livro daqueles pode atingir recordes de vendas por todo o mundo, não consigo deixar de tecer algumas considerações, na expectativa que algum outro leitor  partilhe a minha opinião.

 

A meu ver (o que vale o que vale), existem dois tipos de best sellers: aqueles que assentam numa história de mais ou menos fácil apreensão, uma escrita de qualidade e um enredo totalmente diferenciador que não deixa nenhum leitor indiferente e aqueles que consistem num enredo básico, estilo de escrita simples e personagens fluídos que não exigem qualquer esforço de compreensão ou interpretação, cabendo apenas ao leitor consumir, de forma desenfreada, as suas páginas.

 

O livro "Cinquenta Sombras de Grey", surpreendentemente, não se insere em nenhuma daquelas categorias.

 

O enredo é practicamente inexistente, o estilo de escrita medíocre, os personagens, além de profundamente desinteressantes e forçosamente esteriotipizados, pouco ou nada são explorados pela autora ao longo do livro, limitando-se esta a recriar e a partilhar, incessantes e imaginativos encontros sexuais que culminam, inevitavelmente, com uma saciedade animalesca dos seus intervenientes, sem prejuízo dos paralelos dilemas morais e mal dissimulados sentimentos de culpa da personagem feminina.

 

A perturbação da psique humana e as tendências, por um lado, de domínio e, por outro lado, de submissão, noutras circunstâncias e descritas de outra forma, poderiam ser temas interessantes que a ser explorados por um grande autor talvez alertassem os leitores para aquela realidade. Lamentavelmente, tal não sucede com este livro.

 

Não concordo, porém, com as opiniões alarmistas dos grupos feministas sobre o efeito nefasto que livros deste teor podem ter sobre a sociedade e as mulheres dos dias correntes. Creio (mas posso estar errada) que a leitura de "Cinquenta Sombras de Grey" não permite, à maior parte dos leitores, assimilar a plenitude das questões éticas, morais e sexuais sobre as quais este pretende versar, tratando-se apenas de literatura de muito fraca qualidade.

 

Mas, mais do que não seja para formar a minha própria opinião, valeu a pena conhecer o livro, cuja capa arrogantemente anuncia tratar-se do "livro de quem toda a gente fala". Resta dizer que toda a gente fala, mas não necessariamente pelos melhores motivos.

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A.N, 05.08.12

A perspectiva de um fim-de-semana de Agosto passado em Lisboa aflige os lisboetas que arriscam sair de casa com temperaturas elevadas. Fins-de-semana de Agosto querem-se passados na praia, de preferência num areal extenso e águas mornas, com caipirinhas ao pôr-do-sol e jantares tardios sob céus algarvios.

 

Imagine-se, então, a minha surpresa ao constatar que durante os primeiros fins-de-semana deste mês a familia do Y. resolveu vir visitar-nos.

Calçadas íngremes, temperaturas atrozes, filas de turistas, o castelo, os pasteís de Belém, Alfama, a Graça, Santa Luzia e o Chiado. Estas imagens, que fazem as delícias de manhãs soalheiras de inverno, são tudo menos apetecíveis na época estival.

 

Vencendo o cansaço, este ano particularmente acentuado, resolvi dedicar-me a uma das tarefas para as quais tenho alguns dotes: ser anfitirã na minha cidade, adiando umas semanas a partida rumo às praias do sul.

 

Depois de nove anos de visitas de familiares e amigos, algumas lições têm ficados quando nos pedem a nossa companhia em visitas a Lisboa:

 

1. Qualquer turista aprecia, depois de um primeiro confronto com duas ou três colinas, um cómodo passeio de carro. Apreciar a condução dos portugueses em ruas lúgubres e estreitas, os estacionamentos no passeio e a desorganização dos sinais de trânsito é um bom cartão de visita com a realidade lisboeta e uma verdadeira experiência para aqueles que procuram mais do que aquilo que encontram descrito em guias turísticos, por viajantes sem pinga de sangue português nas veias;

 

2. Falando em guias de viagem, para surpreender uma visita, não vale a pena repisar os sítios que os guias elegem como obrigatórios na cidade. Ao Castelo, ao Chiado e ao Rossio qualquer turista consegue chegar sózinho. Da mesma forma que numa tarde, apanhando o eléctrico 28, este consegue ficar com uma ideia geral e deslumbrante da cidade, sem grande esforço ou investida de descoberta. Os turistas/visitantes mais exigentes querem conhecer o dia-a-dia dos lisboetas, provar pataniscas com arroz de feijão em tascas recônditas, apreciar uma bebida sofisticada num local sossegado com vista para o rio, ler um livro num jardim ou quiosque frequentado por locais e dar um salto até à Caparica para um mergulho crepuscular.

 

3. Os pasteis de Belém são sempre um sucesso e livre-se quem se esquecer de referir Sintra e os travesseiros da Periquita como paragens obrigatórias numa visita à região de Lisboa. Além disso, um estrangeiro apenas compreenderá a nossa essência depois de dedicar um dos seus dias de visita a experienciar um roteiro gastronómico planeado pelos seus anfitriões ("Primeiro paramos para almoçar marisco, depois sobremesa nos pasteis, uma limonada no Principe Real e um jantar em Alcântara"). Afinal, em Portugal, tudo se passa à volta da mesa e a divisão mais importante de uma casa portuguesa que se preze continua a ser a cozinha.

 

4. Na realidade, nenhum anfitrião lisboeta tem que se esforçar. A cidade por si é tão deslumbrante que ao redescobri-la todos nos convertermos turistas e nem o calor urbano de Agosto nos impede de gozá-la.

 

 

* As escolhas do dia: Almoço no Darwin Café, na Fundação Champalimaud; sobremesa nos Pastéis de Belém; limonada no Café Clara, mesmo por cima do Campo de Santa Clara; imperial (para quem pode) no Miradouro da Graça e caminhada por Alfama.