Há vários meses atrás, em nossa casa, abolimos a visualização de telejornais. No início, tomámos esta decisão porque os seus conteúdos nos dificultavam a digestão do jantar. Depois, apenas porque a repetição dos nossos problemas comezinhos nos cansou, em especial quando estes nos são repetidos incessantemente, sem contudo lhes serem oferecidas quaisquer soluções por parte dos protagonistas deste eterno enredo patético que é a política portuguesa, a crise económica sem culpados e os fantasmas engravatados da troika.
No fundo, percebemos que o futuro incerto de todos nós, portugueses, condenados ou obstinados em viver em Portugal, não nos pertence, mas apenas a interesses instalados de terceiros estrangeiros e domésticos. Se ao menos o futuro pertencesse a Deus, encolheríamos mais tranquilamente os ombros e brindaríamos com cerveja, culpando a Divina Providência por todo o mal que nos assiste e que ainda está por vir.
A ausência de notícias sensacionalistas, derrotistas e pouco rigorosas trouxeram-nos alguma paz de espírito. Pelo menos, uma ilusória paz de espírito, uma vez que os recibos de vencimento nos relembram todos os meses aquilo que a todo o custo fingimos ignorar.
Depois soubemos que em Dezembro tudo mudará em nossa casa. Mergulhámos num mundo intensivo de leituras parentais e pré-parentais, substituímos as noites passadas a consumir televisão por investigações cibernáuticas e de repente as angústias existenciais foram substituídas por pensamentos risonhos e expectativas com um antecipado cheiro a felicidade.
Chegadas as férias e com algum sentimento de culpa pelo alheamento auto-inflingido da realidade sócio-económica portuguesa,decidimos retomar o velho hábito de não só assistir a telejornais (refira-se, a este respeito, que há quase três semanas que sobrevivemos com 6 canais televisivos, os quais não incluem qualquer canal FOX) , como as idas à praia não dispensam a leitura de jornais de diários.
É suposto as férias serem um período de tranquilidade, mas começamos a acreditar que esta apenas é alcançada por aqueles que de forma sensata optam por alhear-se da realidade e não mergulhar nela, como nós, inexplicavelmente, teimámos em fazer durante as últimas semanas.
Ora, devido às leituras diárias de jornais como o Público ou o I , regressaremos de ferias angustiados. Não apenas com a perspectiva de menos um salário bruto no ano de 2013 (ano de um inevitável aumento de despesas do nosso agregado), mas essencialmente angustiados por constatar que os ensinamentos básicos do estado de direito em que nascemos e crescemos, afinal, não passam de uma ilusão.
Nos dias que correm, e sem querer entrar em detalhes, em Portugal há muito que o poder executivo, legislativo e judicial não são indepententes nem estanques; os erros de gestão, a corrupção e o despesismo do passado - que agora é uma despesa de todos- são crimes sem arguidos, quanto mais culpados e condenados; não é necessário estudar para se obter uma licenciatura (afinal a meritocracia é supérfula, nos dias que correm) e os políticos que alegadamente representam e defendem os interesses da maioria do eleitorado desconhecem o quotidiano de um português mediano, o preço de um carrinho de supermercado, de um bilhete de metro, das contas do gás e da escola das crianças, procurando justificar medidas inférteis, mas violentas, com sacríficios que desconhecem e que não querem conhecer.
Talvez a maioria da população tenha razão, quando opta por vir de férias em inícios de Agosto.
A silly season pode irritar, é um facto, mas não angustia.
E pensar que o verão ainda não acabou, mas o clima já antecipa um Outono triste.