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O mundo da Ch@p@

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A.N, 28.09.12

As reuniões de condóminos parecem-me ser um dos ambientes mais hostis que um cidadão mediano, possuidor de uma vida banal, pode experienciar, pelo menos uma vez por ano, num qualquer dia útil e num horário absurdo.

Não basta que estas tenham geralmente lugar em salas de reuniões a cheirar a mofo e humidade, como os seus participantes inevitavelmente dividem-se em guerrilhas semi-organizadas: os prejudicados, os forretas, os indignados, os justiceiros, os possuidores de sentido cívico e comunidade, os que esmiúçam os orçamentos e contas apresentados e todos os outros, os que vão para o frete, e que apenas se dignam a comparecer quando na ordem de trabalhos consta alguma matéria que os possa afectar.

 

Poucos se cumprimentam, sussurram-se estratégias conjuntas, partilham-se feridas de guerra, criticam-se anteriores administrações e as vindouras, reclama-se da falta de cooperação dos condóminos ausentes.

A primeira convocatória é inexistente, a segunda é vivida com ansiedade.

 

Ontem, aqui nospot, à hora marcada para a segunda convocatória, não foi possivel reunir o quórum necessário para realizar a reunião e deliberar sobre os primeiros três pontos da ordem de trabalhos.

 

Os beligerantes mostram-se desapontados.

Os do frete visivelmente aliviados.

Tivesse havido quórum, teria havido sangue. Juro.

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A.N, 27.09.12

 

Este fim-de-semana estivemos num resort, desses cheios de nomes sumptuosos em inglês, na zona Oeste (o nome, para efeitos deste post, é irrelevante).

 

As instalações do referido empreendimento são modernas, sofisticadas, confortáveis e espaçosas, permitindo aos hóspedes dias de descanso e, principalmente, dias de luxuosos silêncios, caso esta seja a modalidade de férias pretendida.

É, contudo, um empreendimento perdido no meio do nada e de tão perdido que está, a sua gerência parece ter esquecido que as suas três designações em inglês, campos de golfe e milhentas piscinas não bastam para que o mesmo seja elevado à categoria de luxo.

 

Antigamente, no tempo das "vacas gordas", onde estranhamente este tipo de empreendimentos hoteleiros não proliferavam, como actualmente sucede em Portugal, quase que bastava substituir o letreiro com a expressão "Rooms, chambres" ou "Residencial" por "Hotel" para elevar qualquer estabelecimento com um tanque nas traseiras e um pequeno-almoço buffet a um empreendimento hoteleiro de quatro/cinco as estrelas.

Os tempos mudaram e os negócios tornaram-se sofisticados. Os terraços foram substituídos por "rooftops", as black trinitrons por lcd´s e leds, os pequenos-almoços buffet por brunches.

O que outrora era considerado um luxo, hoje em dia é apenas o indispensável para atrair hóspedes e garantir confortáveis taxas de ocupação.

 

Nos dias que correm e principalmente no contexto actual, parece-me que o diferencia os serviços não é o elenco extensivo dos mesmos, mas a forma como estes são colocados à disposição dos clientes. E, no resort onde estivemos, o cliente, pela forma como é tratado, não passa de um número, que varia consoante a actividade, as noites de permanência, o número de pães que ingere, o tipo de habitação em que pernoita.

 

Fazer o check out foi confuso, os valores pré-anunciados não coincidiam com os valores cobrados, os funcionários agiam com desconfiança e o estado "zen" em que mergulhámos durante dois dias foram rapidamente substituídos por irritação, o que me levou a ter vontade de escrever este texto.

 

Considero que o luxo, nos dias de hoje, consiste num serviço de excelência, no tratamento personalizado, especifico, atencioso dos clientes. Independentemente do preço, independentemente da nacionalidade, preferências e/ou tempo de estadia ou número de serviços usufruídos pelos clientes.

Não dispor deste elemento diferenciador, nos dias que correm, parece-me não apenas uma grande burrice, como um suicidio económico, na medida em que o sucesso de qualquer negócio não reside na angariação de clientela, mas na garantia da sua fidelização.

 

Gostei muito do resort dos três nomes pimpões. Mas enquanto em lembrar do episódio do check out (que no final de contas é a última recordação que fica) nunca mais me lá apanham.

 

Curioso

A.N, 26.09.12

 

 

No calor das manifestações da passada sexta-feira, durante a reunião do Conselho de Estado, à porta do Palácio de Belém, a jornalista da SIC Notícias tenta entrevistar, sem sucesso, uma manifestante que timidamente fugiu a sete pés.

Ao lado, outra manifestante oferece-se para explicar os motivos que a levaram ali: "Estou aqui para exigir que o Sr. Passos Coelho se demita porque já chega!".

Procurando aprofundar esta afirmação, a jornalista insistiu nos motivos da manifestante que a levam a exigir a demissão do Primeiro Ministro.

Sem papas na língua, a manifestante esclarece: "Tem que sair porque este senhor levou-me tudo e agora ainda me quer roubar mais. Tirou-me o emprego, tirou-me a esperança, tirou-me o futuro.".

"Há quanto tempo está desempregada?", inquiriu a jornalista.

"Há três anos!", gritou a indignada.

 

 

Nota: Pedro Passos Coelho foi eleito em Junho de 2011.

Ainda a missa vai no adro

A.N, 23.09.12

 

 

A questão - uma vez mais - reside em escolher entre a opção que realmente gostamos e a opção que economicamente é mais razoável.

Num mundo perfeito, a practicidade deveria ser o único critério. Independentemente do preço.

No mundo dos adultos, porém, tudo depende da forma como a ponderamos face ao seu custo real.

Para os pais de primeira viagem, a culpa - auto-infligida ou não - vem de mãos dadas com as etiquetas da parafernália de acessórios e com a ignorância de quem ainda nada viveu, de quem ainda nada sabe.

 

Pensar que a aventura ainda nem sequer começou é, no mínimo, inquietante.

Tentações

A.N, 19.09.12

 

23.25h. Fox Life. Masterchef USA.

 

Teste de pressão: apresentar, em duas horas, um apetecível bolo composto por seis camadas.

Repito: 6 camadas.

Os participantes esmeram-se e os resultados parecem sublimes.

Ganache, avelãs tostadas, pão de ló de cenoura e abóbora, recheio de doces silvestres.

 

Teste de pressão cá em casa: É hora da ceia da grávida.

A ceia consiste num copo de leite.

A noite é longa.

 

Relembro, os mais incautos, que os bolos tinham 6 camadas.

Sim, 6 camadas.

 

 

 

Respect

A.N, 13.09.12

 

Barrigão de sete meses, sobe penosamente a Rua Castilho, depois de um dia de trabalho com 30.º graus, em pleno glamour do Vogue Fashion´s Night Out.

 

As fashionistas exibiam os seus looks esmerados e lânguidos cigarros com marcas de Rouge Coco da Chanel.

O barrigão exibia uns irresistíveis tornozelos inchados.

 

No fundo, trata-se apenas de uma questão de atitude.

Patético

A.N, 11.09.12

 

A série "Jess and the Boys" que a Fox Life insiste em transmitir é um atentado à inteligência dos espectadores quase tão grave como a emissão do miserável discurso do Passos Coelho da passada semana, quinze minutos antes do jogo Portugal vs Luxemburgo e do concerto do Paulo de Carvalho, onde o nosso primeiro demonstrou, ao cantarolar a "Nini", quão penosos são os sacríficios que "teremos todos" que enfrentar.

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A.N, 08.09.12

Há vários meses atrás, em nossa casa, abolimos a visualização de telejornais. No início, tomámos esta decisão porque os seus conteúdos nos dificultavam a digestão do jantar. Depois, apenas porque a repetição dos nossos problemas comezinhos nos cansou, em especial quando estes nos são repetidos incessantemente, sem contudo lhes serem oferecidas quaisquer soluções por parte dos protagonistas deste eterno enredo patético que é a política portuguesa, a crise económica sem culpados e os fantasmas engravatados da troika.

No fundo, percebemos que o futuro incerto de todos nós, portugueses, condenados ou obstinados em viver em Portugal, não nos pertence, mas apenas a interesses instalados de terceiros estrangeiros e domésticos. Se ao menos o futuro pertencesse a Deus, encolheríamos mais tranquilamente os ombros e brindaríamos com cerveja, culpando a Divina Providência por todo o mal que nos assiste e que ainda está por vir.

 

A ausência de notícias sensacionalistas, derrotistas e pouco rigorosas trouxeram-nos alguma paz de espírito. Pelo menos, uma ilusória paz de espírito, uma vez que os recibos de vencimento nos relembram todos os meses aquilo que a todo o custo fingimos ignorar.

 

Depois soubemos que em Dezembro tudo mudará em nossa casa. Mergulhámos num mundo intensivo de leituras parentais e pré-parentais, substituímos as noites passadas a consumir televisão por investigações cibernáuticas e de repente as angústias existenciais foram substituídas por pensamentos risonhos e expectativas com um antecipado cheiro a felicidade.

 

Chegadas as férias e com algum sentimento de culpa pelo alheamento auto-inflingido da realidade sócio-económica portuguesa,decidimos retomar o velho hábito de não só assistir a telejornais (refira-se, a este respeito, que há quase três semanas que sobrevivemos com 6 canais televisivos, os quais não incluem qualquer canal FOX) , como as idas à praia não dispensam a leitura de jornais de diários.

 

É suposto as férias serem um período de tranquilidade, mas começamos a acreditar que esta apenas é alcançada por aqueles que de forma sensata optam por alhear-se da realidade e não mergulhar nela, como nós, inexplicavelmente, teimámos em fazer durante as últimas semanas.

 

Ora, devido às leituras diárias de jornais como o Público ou o I , regressaremos de ferias angustiados. Não apenas com a perspectiva de menos um salário bruto no ano de 2013 (ano de um inevitável aumento de despesas do nosso agregado), mas essencialmente angustiados por constatar que os ensinamentos básicos do estado de direito em que nascemos e crescemos, afinal, não passam de uma ilusão.

Nos dias que correm, e sem querer entrar em detalhes, em Portugal há muito que o poder executivo, legislativo e judicial não são indepententes nem estanques; os erros de gestão, a corrupção e o despesismo do passado - que agora é uma despesa de todos-  são crimes sem arguidos, quanto mais culpados e condenados; não é necessário estudar para se obter uma licenciatura (afinal a meritocracia é supérfula, nos dias que correm) e os políticos que alegadamente representam e defendem os interesses da maioria do eleitorado desconhecem o quotidiano de um português mediano, o preço de um carrinho de supermercado, de um bilhete de metro, das contas do gás e da escola das crianças, procurando justificar medidas inférteis, mas violentas, com sacríficios que desconhecem e que não querem conhecer.

 

Talvez a maioria da população tenha razão, quando opta por vir de férias em inícios de Agosto.

A silly season pode irritar, é um facto, mas não angustia.

E pensar que o verão ainda não acabou, mas o clima já antecipa um Outono triste.