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O mundo da Ch@p@

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A.N, 20.06.07

Não podemos aspirar a um mundo perfeito, mas podemos, legitimamente, aspirar a um mundo melhor.

A menina do café da minha rua personifica a esperteza saloia que nos caracteriza há séculos e, de forma quase que inocente e irreflectida, nos condena ao retrocesso social.

Tem boa saúde, boa aparência, doseia o volume de trabalho com intervalos de nicotina, uma filha a quem veste do bom e do melhor e um marido que trabalha com afinco mas cujo ordenado é magro demais para comportar as despesas excessivas da família.

O café da minha rua pertence à mãe da menina acerca da qual escrevo, endividada até à medula óssea e que, em momentos de tensão, não abdica de uma manicure francesa e de extensões de cabelo louras, pois “se não nos sentimos bem connosco, a coisa não se endireita”.

Orgulhosamente, a menina do café informa-me que está a receber subsídio de desemprego, pese embora receba, simultaneamente, o ordenado que a mãe lhe paga.

“Enquanto der, vou aproveitar”, diz ela enquanto eu, educadamente, finco as unhas nas palmas das mãos para me conter perante o anúncio de que aquela senhora, com quem partilho o café matinal está, afinal de contas, a defraudar o sistema e a roubar o dinheiro dos impostos e das contribuições que entrego ao estado.

A segurança social, brilhante instituição no acto de recepção das contribuições, mas meio amnésica no acto de retribuição, fecha os olhos à menina do café, aos seus ordenados, ilegalmente, cumulativos que no final do mês lhe aconchegam a conta bancária.

Ironicamente, em Aveiro, a reforma por invalidez não foi concedida a uma professora, vítima de leucemia que, perante esta decisão da Segurança Social e o facto de ter que comer ao final do mês, se viu obrigada trabalhar até à morte.

Não teremos chegado, pois, a um ponto em que a inércia e o conformismo são inaceitáveis?

Vivemos num país onde a baixa fraudulenta ocupa uma percentagem significativa da população, ironicamente, activa; onde a menina do café se orgulha de enganar esse ente estranho – o Estado – e onde a insuficiência económica é alegada de forma falsa e de ânimo leve.

Bebo o café e vejo a menina alegre que me comunica ter adquirido um novo carro.

Sorrio e afasto-me perplexa.

Sei que os meus impostos estarão, provavelmente, a contribuir para o bem-estar do agregado familiar dela, situação que, analisando bem as coisas, me conforta um pouco. Afinal, sei em que é que as minhas contribuições se consubstanciam: num relógio Calvin Klein no pulso da menina do café.</span>

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