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Assim somos, nós, portugueses.
Confortavelmente crentes, esteticamente preocupados com o próximo, isentos de ambição e de verdadeira vontade de investir, concretizar, realizar.
Vivemos o dia a dia entre o horário a que nos encontramos vinculados e ao final do dia, se o corpo não exigir um sofá, talvez nos dignemos a visitar o ginásio, antes de corrermos para o refúgio do lar.
Sorrimos aos recém-chegados, mas não lhe oferecemos cama em casa.
Conversamos animadamente com desconhecidos, reservando sempre uma saída airosa para situações intensas.
Em suma, não damos passos sem avaliar qual o benefício que podemos retirar das nossas acções.
De igual modo, encaramos a religião, subvertendo a lógica de um Deus pai e misericórdia, para um Deus caprichoso e irascível, a quem não convém irritar, não vá ele não nos conceder os pedidos do mês. No final do dia, a análise não passa por um Deus que acompanha, mas um Deus que dá, que tem que dar e que convém que dê.
Rumamos aos milhares para Fátima e proporcionamos um espectáculo místico de velas e emoção, em romarias e procissões que disfarçamos com a fé, mas que no final esconde propósitos egoístas, perfeitamente justificáveis pela nossa natureza humana e ausência de profundidade de análise.
Mas pergunto: faríamos o mesmo perante um propósito social? Lutariamos por ideais e convicções, se soubessemos que o resultado dessa luta poderia ser-nos favorável, apenas indirectamente?
Conseguirá a sociedade portuguesa ganhar uma consciência de classe, da mesma forma que cegamente continua a abraçar a consciência de crente ou no final do dia, tal implica uma energia e alheamento pessoal, incompatível com o chamamento do sofá e da certeza do ordenado no final do mês?