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Continuar doente, após superar as intermitências da morte, permite-nos ganhar consciência do inevitável torpor mental de um desocupado durante os dias úteis: a televisão adormece-nos, os vizinhos estão sempre apressados, o trânsito na rua denota uma azáfama que não nos é permitido sentir e as horas tornam-se iguais, encadeadas por pequenos momentos de ausência de lucidez, provocada pela acção dos analgésicos.
Por outro lado, nos momentos que antecedem tal fase de reflexão pós-traumática, ganhamos consciência do estado de suspensão em que se mergulha durante o periodo de recobro.
A crise económica tornou-se irrelevante; o aniversário do ManOel de Oliveira já não nos inquieta (tão-pouco surte grande efeito pensar que o senhor dedicou o seu dia de aniversário ao trabalho, nem que o produto final deste nos poderá atingir, fatalmente, em breve); o uso abusivo da desculpa da crise, pelas empresas rafeiras que escorraçam trabalhadores ao mesmo tempo que recorrem à ajuda estatal para alegadamente manter o seu nível normal de funcionamento já não nos consegue revoltar- é a vida!; por instantes, a Angela Merkel parece elegante e o Sarkozy quase que nos surge altivo, no seu metro e setenta bem esgalhado.
A conclusão parece-me, pois, inevitável: a vida (ou a ausência dela), torna-se mais sustentável sob o efeito dos comprimidos.