Black
Não é que as coisas não tivessem importância. O problema é que tinham demasiada.
Um tudo ou nada diário, noites que decidiam os dias e dias que marcavam vidas, onde a moderação não tinha lugar e a razoabilidade não fazia sentido.
Éramos adolescentes e sentiamo-nos profundos, donos de uma sabedoria e maturidade que a vida adulta considera luxos.
A música era tudo e tudo se reconduzia às letras que sabiamos de cor e anotávamos nos diários que nunca ninguém leu e que hoje nos envergonham, ao recordar-nos aquilo que a memória selectiva da sobrevivência nos fez esquecer.
Naquela noite, todos nos sentimos outra vez com quinze anos.
A julgar que sabíamos viver porque fumávamos sem tossir. A julgar que sabiamos querer, porque não podíamos conceber outra forma de amar, a entregar de bandeja corações e inocências, sem consciência de que aquela seria a última vez que o faríamos.
Foi a época de todos os problemas, numa época em que estes, na realidade, não existiam.
Não sabíamos nada, mas queriamos tudo, com uma certeza derradeira, arrebatora, imutável.
Foi a época em que os episódios que hoje, presunçosamente, classificamos como insignificantes, nos tornaram naquilo que somos e nos impedem de ainda acreditar que um dia seremos aquelas pessoas que aos quinze anos quisemos ser.
O fundo da tela da memória é negro, mas ao recordar, escolhemos hoje as cores com que o queremos tingir.