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Todos os dias, centenas de pessoas são condenadas em Portugal, em salas mal apetrechadas de comarcas esquecidas, onde até o jornal da terra faz por olvidar aquelas condenações que perante a socidade portuguesa permanecerão anónimas.
As penas cumprem-se entre grades, longe da vista e especialmente dos corações das vítimas e seus familiares, à margem da sociedade e em submundos que um cidadão afortunado e ajuízado, com alguma sorte, ao longo da sua existência, nunca chegará a conhecer.
Perante a prática de crimes contra a vida e a integridade física , a sociedade tolhe-se de medo e horror, ao constatar a crueldade a que a alma da humana, em momentos de loucura, se consegue dedicar, não lhe restando remédio senão confiar , tenuamente, na lei rocessual congelada em Códigos pesados e sucessivamente modificados que ainda, eventualmente, pudesse ser considerada como infalível, jamais seria susceptível de reparar os danos provocados por aquele tipo de crimes.
Por outro lado, ainda que os sistemas judiciários e não apenas naquele tipo de casos, funcionasse na sua plenitude, a questão essencial reside em saber se após o cumprimento das respectivas penas, deduzido ou não o período de uma eventual prisão preventiva ou domiciliária, o criminoso foi ou não capaz de interiorizar a sua conduta, pois é nesse pressuposto que assenta a responsabilização criminal.
O processo Casa Pia não foi anónimo e como tal nunca se poderia esperar que o mesmo fosse encarado pelos seus intervenientes ou pela sociedade em geral como um comum caso judicial de uma comarca esquecida na zona das Beiras. Nessa perspectiva, o seu tratamento pela comunicação social nunca poderia ser idêntico àquele conferido ao homicídio passional do rapaz de esfaqueou a namorada e a atirou ao rio após o rompimento da sua relação, nem tão pouco poderia ter tido a visibilidade conferida ao caso do agricultor simplório, apanhado pelas autorizadas a cultivar um campo de quase um héctare de marijuana em Trás-os –Montes.
Assim, perante uma excessiva e paradoxalmente necessária exposição pública, os abusos dos menores casapianos foram esmiuçados espicaçados e discutidos à exaustão, por especialistas, leigos e curiosos, sendo que nos oito anos que Portugal aguardou por uma decisão, em conversas banais de café, foram os arguidos, sem excepção, condenados às não tipificadas penas de apedrejamento em praça pública, decapitação ou condenação perpétua a trabalhos forçados.
O português comum não percebe de leis, mas apercebe-se que quando os poderes instalados e as vedetas da nossa sociedade do faz de conta são beliscados pelo sistema judiciário português que ousa constitui-los arguidos, aplicar-lhes medidas de coacção e posteriormente condená-los, tal só se explica se culpas houver no cartório.
E o mesmo parecem compreender os arguidos que perante órgãos de comunicação sem escrúpulos, sentido de responsabiliade e ávidos de audiências lhe concedem tempo de antena, no qual aqueles arguidos, agora condenados, recorrem a exercicios de retórica e, a meu ver, de autopersuasão, para explicar ao país aquilo que apesar de legalmente presumido, não conseguiram explicar ao colectivo de juízes: a sua inocência.
O povo não acredita em leis e muito menos em interiorizações de condutas social e moralmente censuráveis, mas conforta-se ao ver as suas condenações de café corroboradas por um tribunal.
E os juristas que prontamente apontaram falhas à sentença de Ana Peres e à avaliação do colectivo, por si, presidido, face à prova realizada (em si, insindicável, salvo existência de graves erros de juízo que imponham uma decisão diversa) também concedem que atendendo à tecnicidade das funções de um juíz, podem existir medidas de pena injustas, mas dificilmente o serão as condenações proferidas.