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O mundo da Ch@p@

Inside Job - A Verdade da Crise

A.N, 15.01.11

Todos os dias o cidadão honesto acorda de manhã, toma o pequeno-almoço, deixa recados na mesa da cozinha, corre para o escritório e aproveita a hora de almoço para tratar da lista de assuntos pendentes que emolduram o monitor do seu computador. Trabalha, no mínimo oito horas por dia, mais ou menos afincadamente consoante a motivação actual e o seu nível de profissionalismo, corre para o supermercado antes de regressar a casa, trata do jantar, dos eventuais filhos, comenta as notícias e os mais recentes escândalos e adormece exausto.

 

Esta rotina repete-se, incessantemente, com mais ou menos percalços, todos os dias, até ao final do mês, em que uma transferência bancária, mais ou meos choruda o faz esquecer as dores de cabeça e das costas, os calos dos pés e o cabelo a precisar de tratamento. Trabalhou (ou, pelo menos, fingiu bem) e foi recompensado, ainda que parcialmente, pelo produto daquele esforço.

 

Uma vida honesta, de trabalho por conta de outrem, obedece, quase na maioria dos casos, a este padrão, sem prejuízo de alguns comportamentos desviantes que em nada fazem alterar o final da história.

 

Alguém que jogue limpo, que cumpra as regras, não assuma posições de poder nem suscite invejas com sucessos repentinos, não fica rico, mas paga as contas, dorme relativamente descansado, vai de férias 3 semanas por ano e ainda se permite um extravagante fim-de-semana no estrangeiro quando as promoções das companhias low cost lhe permitem.

Um trabalhador honesto, com esforço, controlo orçamental, destreza e prudência consegue sobreviver confortavelmente.

 

Imagine-se, agora, que esse trabalhador honesto foi investindo as suas magras poupanças em instituições bancárias que se financiaram, erroneamente, através de bancos de investimento que por sua vez obtiam o seu próprio financiamento através de produtos virtuais como derivados, cujo risco se encontrava assegurado pela contratação de seguros de risco, igual e perfidamente, virtuais, pomposamente designados por credit default swaps.

Pense-se ainda, que toda esta cadeia funciona exclusivamente numa lógica de ganância e maximização dos lucros e que esta, no limite e através dos seus complexos esquemas paralelos e fraudes, se destina unica e exclusivamente a proteger quem financia, sem qualquer tipo de cautela, regulação estatal ou preocupação humana ou financeira, relativamente a quem precisa de financiar.

 

Os alertas dos perigos e riscos do sistema perdem-se nos corredores de palácios presidenciais e em jantares de lobbying, o Estado e as doutrinas económicas  defendem a manutenção da não interferência do Estado nas políticas financeiras, em troca de favores financeiros pessoais e de forma intelectualmente desonesta, ao mesmo tempo que em Wall Street distribuem-se milhões de dólares a administradores, presidentes, analistas e consultores que trabalham afincadamente para manter a aparência de normalidade e seriedade.

 

Um dia, porém, o sistema colapsa.

 

O trabalhador honesto, sem compreender a razão nem o sucedido, perde de um momento para o outro as suas poupanças. Meses mais tarde, a economia entra em recessão, o procura diminui e o seu trabalho, especialmente quando não qualificado, deixa de se justificar.

O trabalhador perdeu sem ter jogado, sem sequer lhe terem explicado as regras do jogo, sem compreender como é que produtos virtuais e baseados em premissas imaginárias provocaram danos mundiais económicos e socais, até à data não contabilizáveis.

 

O Estado é então chamado a intervir, mas não a regular.

Injecta-se capital, proveniente dos impostos dos contribuintes que além de prejudicados por uma crise que não criaram, são agora chamados para resolvê-la, financiando o mesmo banco que lhes executa as hipotecas e que menos de um ano depois distribui bónus aos seus administradores, analistas e consultores de milhares de dólares.

 

Esta é a história do filme Inside Job - A verdade da crise, que lamentavelmente não consubstancia uma história de ficção.

 

No final do filme, resta um estômago apertado, a certeza de que não há um culpado a apontar, nem ninguém totalmente inocente. À saída do cinema resta a desilusão, de ter acreditado que uma vez mais a humanidade racional iria aprender com os seus erros e  emendar a mão, a ridícula esperança que o Direito, aliado à necessidade da sociedade de se ver regulada, iria prever normas de refrear a ganância e garantir que no futuro, o trabalhador honesto da nossa história, poderia dizer aos seus filhos que o futuro que lhes espera é risonho.