Se trabalhar fosse bom não era necessário pagar
As "cunhas" ou passaportes exclusivos de acesso a realidades, como alguns lhe chamam, têm, a meu ver, uma conotação negativa que nem sempre é necessária.
Quando se ouve falar de alguém que beneficiou de uma cunha ou de qualquer outra forma de apoio suplementar para arranjar um emprego, assume-se à partida que esse alguém se conformará com o emprego que lhe foi oferecido de bandeja, mas não com um verdadeiro trabalho.
O trabalho feio, aborrecido, profundo e sério aparece, na profunda convicção das gentes, como algo reservado aos que não beneficiaram desse apoio, para aqueles de quem o "tio" se esqueceu ou fez por se esquecer.
Na maioria dos casos, concedo, talvez a justiça não se faça valer para os que beneficiaram de uma mão amiga. No entanto, para aqueles a quem a sorte bafejou com um ombro amigo, uma cunha pode ser apenas sinónimo de trabalho acrescido, na medida em que desmistificar o motivo da contratação implica trabalhar a dobrar e prestar provas suplementares que num emprego médio e regido por horários rígidos jamais se justificariam.
As cunhas podem ser eticamente condenáveis, é certo.
Mas desde que não sirvam apenas para justificar discrepâncias salariais, parece-me que é apenas mais uma regra, de acordo com a qual a nossa geração dos oitenta é bom que aprenda a viver.
O importante não é a forma como lá se chegou, mas o que se fez depois de lá chegar.